segunda-feira, 27 de junho de 2016

Sermão do Bom Ladrão


O Sermão do Bom Ladrão foi escrito pelo Padre Antônio Viera em 1655.
Este texto diz que foram sentenciados em Jerusalém dois ladrões, ambos foram crucificados e mortos juntos com o Nosso Senhor Jesus Cristo. Todos devem imitar o Rei dos reis, pois temos muito a aprender na última ação de sua vida. Pediu o Bom Ladrão a Cristo que se lembrasse dele no seu reino. E a lembrança que o Senhor teve dele foi que ambos se vissem “juntos” no Paraíso. Esta lembrança deve ter todos os reis, o padre Viera deseja persuadi-los para fazerem esta boa ação. Nem os reis podem ir ao paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os reis.
Mas o que é praticado em todos os reinos do mundo é o contrário, em vez dos reis levarem consigo os ladrões ao Paraíso, os ladrões são os que levam consigo os reis ao inferno.
Santo Agostino dizia que para obter o perdão do pecado deve-se restituir o roubado, quando quem o roubou tem possibilidade de restituí-lo. Nos seus ensinamentos o Nosso Senhor Jesus Cristo converteu dois ladrões: Dimas e Zaqueu. Dimas era ladrão pobre, e não tinha com que restituir o que roubara. Zaqueu era ladrão rico, e tinha muito com que restituir. A salvação não pode entrar sem se perdoar o pecado, e o pecado não se pode perdoar sem se restituir o roubado.
Santo Tomás comentava que os príncipes tiram dos súditos os que segundo a justiça lhes é devido para a conservação do bem comum. Porém, se os príncipes tomarem por violência o que não lhes deve, é roubo e latrocínio. Estes estão obrigados à restituição como os ladrões, pois pecaram mais gravemente que os mesmos ladrões. O profeta Ezequiel dizia que Deus castigou severamente os dois reinos de Israel e Judá, um com o cativeiro dos assírios, e outro com os babilônios. Porque os seus príncipes em vez de guardarem os povos como pastores, os roubavam como lobos.
Este padre afirma que os ladrões que vivem na miséria, furtam para comer, não vão, nem levam ao inferno. Muitas vezes os ladrões grandes enforcam os pequenos. Em Roma enforcaram um ladrão por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia triunfava um cônsul, ou ditador por ter roubado uma província.
Santo Tomás dizia: Aquele que tem obrigação de impedir que não se furte se não impedir fica obrigado a restituir o que se furtou. Várias vezes colocamos o exemplo da culpa, onde não pode haver. No Paraíso Adão e sua mulher roubaram o fruto da árvore proibida, por isto todos os seres humanos tornaram-se mortais. Deus sucedeu mal com Adão, conhecendo muito bem Deus o que ele havia de ser, que muito é que sucede aos reis, com os homens que elegem para os ofícios.
Jesus Cristo sabia que Judas havia de ser ladrão, mas quando o elegeu para o ofício em que foi, não só era ladrão, mas muito digno de fazer o cuidado de guardar e distribuir as esmolas dos pobres. Dalila cortou os cabelos de Sansão para acabar com as suas forças, Jacó enganou o seu pai e levou a benção de Esaú.
São Francisco Xavier conjugava o verbo roubar por todos os modos, este autor admite por experiência própria que todos os lugares se usam igualmente a mesma conjugação. Furtam pelo conjuntivo, porque ajuntam o seu pouco com o daqueles que manejam muito, para serem os meeiros na ganância. Furtam pelo modo potencial, porque, sem pretexto nem cerimônia, usam de potência. Furtam pelo modo permissivo, porque permitem que os outros furtem, e estes compram as permissões...
Há os que furtam com os ofícios, e os consentem e conservam-se nos mesmos ofícios. O próprio Jesus Cristo nos ensinou que o ladrão que furta com o oficio, nem um momento se há de consentir ou conservar nele.
O inferno está cheio dos que por adularem os grandes e os supremos, não reparam em condená-los. Quanto à dissimulação que devem ter os reis com pessoas de grandes suposições de quem talvez dependa a conservação do bem publico. Quando o caso é de furto, devem ser privadas do posto. Porque Deus proibiu Adão de comer o fruto da árvore proibida, senão morreria no mesmo dia. Depois que ele roubou o fruto ficou sujeito à pena de morte. Mas Deus o expulsou do Paraíso porque da vida de Adão dependia a conservação e propagação do mundo.
Nas sagradas escrituras Isaías chama a atenção dos príncipes de Jerusalém. Os teus príncipes são companheiros dos ladrões, porque os dissimulam, os consentem, lhes dão postos, os poderes e os defendem.
Mas os mesmos reis, se quiserem, podem levar consigo os ladrões ao Paraíso. Os ladrões salvar-se-ão, porque restituirão o que têm roubado, e os reis salvar-se-ão também, porque restituindo os ladrões, não terão obrigação de restituir. Quem tomou o alheio fica sujeito a duas satisfações: à pena da lei e à restituição do que tomou. Porque a restituição é ato de justiça, e a justiça consiste em igualdade. Argumenta contra a mesma resolução, com a lei do capitulo vinte e dois do Êxodo, em que Deus mandava que quem furtasse um boi restitui-se cinco. A lei positiva, para castigar o crime do furto, acrescentou em pena mais quatro anos, e por isso manda pagar cinco por um.
Para finalizar nem os reis, nem os ladrões, nem os roubados podem se molestar da doutrina pregada pelo padre Antônio Vieira. Os ladrões, que parecem os mais prejudicados porque roubaram com intenção de restituir, ou não. Jesus Cristo comentou que se as  vossas mãos e os vossos pés são a acusa da vossa condenação, cortai-os, e se os vossos olhos, arrancai-os, porque é melhor ir ao Paraíso manco, aleijado e cego, do que com todos os membros inteiros ao inferno.
Rei dos reis e Senhor dos senhores, que morreu entre ladrões para pagar o furto do primeiro ladrão, e o primeiro a quem prometeu o Paraíso foi outro ladrão. Para que os ladrões e os reis se salvem inspirai com vossa graça a todos os reis a seguirem os  vossos ensinamentos.
 

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