domingo, 13 de novembro de 2016

Migrante Transigente


O professor Rodolfo estava contente, pois acabava de receber a carta, comunicando-o que acabava de aposentar-se. Ele lecionava numa faculdade publica de uma importante cidade do estado de São Paulo. Com 59 anos não precisaria mais trabalhar, finalmente poderia viajar e dormir, sem preocupar-se com o serviço. Como estava no inicio de dezembro, iria descansar. As 22:30 minutos terminou a última aula, despediu-se dos alunos, voltou a sua casa.
 Enquanto tomava banho lembrou-se que a ex-esposa o traiu com um dos seus alunos. Seu filho mais velho estudava em São Paulo. Ele estava querendo ganhar de presente um automóvel zero quilometro. A filha namorava um dentista há dez anos. Mas não se casará com o noivo antes de terminar a faculdade de direito. Ela terminará o curso superior dentro de três anos. Até lá o papai precisará pagar as mensalidades de sua universidade.
Frustrado sentou-se na cama. Pois nada significava aos seus filhos, pois valorizavam apenas o dinheiro. Desanimado achou melhor deitar-se na cama e dormir. Nas festas do final do ano de 2007 viajou ao Rio de Janeiro. Retornando a sua casa percebeu que sentia-se vazio por dentro. Neste ano novo precisaria fazer uma pesquisa onde fosse valorizada a sua pessoa.
Animado ligou o computador para pesquisar as noticias do mundo. Ele ficou surpreso quando viu que desde 2004, morreram 13 cortadores de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo. O ganho deles era por produtividade, não paravam para comer, trabalhavam o dia inteiro, num ritmo acelerado. Pois eram remunerados de acordo com a quantidade de toneladas de cana-de-açúcar cortada durante o dia. A maioria dos cortadores de cana-de-açúcar se deslocavam do Nordeste como migrantes..
Curioso começou a refletir porque tantas pessoas deixavam a sua terra natal para trabalharem num local distante. Ele telefonou a um amigo funcionário da usina pedindo os nomes das cidades dos migrantes. No outro dia o amigo lhe informou que a maioria dos empregados da empresa vinham da cidade Gororoba, do estado Ceará.
A safra de cana-de-açúcar começa em abril. Desejando fazer uma pesquisa o professor Rodolfo decidiu conhecer a cidade Gororoba. Assim descobriria porque tantos trabalhadores deixam suas casas. Trabalhavam um determinado tempo no Estado de São Paulo como cortadores de cana-de-açúcar.
No dia 10 de janeiro entrou na sua caminhonete, iniciou a viagem com destino ao Ceará. Passadas 30 horas cansado estacionou seu veiculo em um posto de gasolina. Então o informaram que a cidade Gororoba ficava a uns quinze quilômetros deste local. Depois de almoçar prosseguiu a viagem. Enquanto dirigia sua caminhonete naquela estrada dura e sem asfalto viu uma mulher deitada no chão. Preocupado parou o veiculo para socorrê-la. Quando aproximou-se dela, alguém com um pedaço de pau deu uma pancada na sua cabeça.
Rodolfo caiu desmaiado no chão. A mulher levantou-se, junto com seu parceiro roubaram à caminhonete. Neste momento apareceu andando na caatinga uma mulher com três crianças. Eles o socorreram, quando recuperou os sentidos, contaram que foi assaltado pela dupla Urubu e Maritaca. O professor apresentou-se, as crianças riram porque a linguagem falada era diferente da utilizada por eles A mulher falou que chamava-se Zumira, os seus filhos chamavam-se Bonfim, Estelina e Severina. O professor precisava avisar os policiais que foi assaltado.
Zumira uma mulher de uns 40 anos, o acompanhou até a cidade. Essas pessoas caminharam quase duas horas pela caatinga. Chegaram a Gororoba, uma pequena cidade onde morava umas mil pessoas. Foram à delegacia, Rodolfo deu seu depoimento. O único banco da cidade estava fechado. Como este homem não tinha dinheiro para hospedar-se na pensão, Zumira o hospedaria na sua casa. Preocupado perguntou se o marido dela não iria ficar bravo vendo-o na sua casa. Ela riu, contou que há uns oito anos o pai dos seus filhos foi cortar cana-de-açúcar no Estado de São Paulo. Ele fugiu com outra mulher. Eles caminharam uns vinte minutos, chegaram ao casebre desta mulher.
Durante as suas pesquisas Rodolfo ficou hospedado na residência de Zumira. No Estado Ceará em Fortaleza desenvolve-se o comércio e no Sertão o gado e o algodão. Na cultura cearense destaca-se: Trabalhos de tecelagem como a rede. Chapéus, bolsas e peças de decorações feitos com a palha. A renda da terra são as belíssimas rendas cearenses, este tipo de artesanato são feitos pelas mulheres rendeiras. O bordado cearense é conhecido no mundo inteiro, às bordadeiras aprendem o oficio ainda na infância. A cerâmica cozida, feito do barro cozido, são rústicos, mas úteis, exuberantes na cores e nas formas. Os vaqueiros cearenses, com seus chapéus, coletes e botas do tipo artesanato cearense são inconfundíveis. Os produtos em couro são sandálias, sapatos, tapetes e objetos de decorações.
Rodolfo simpatizou-se por Zumira, os dois começaram a namorar. Bonfim tinha onze anos, Estelina dez anos e Severina nove anos. O menino contou que o seu super-herói era o Lampião, maior cangaceiro do nordeste brasileiro. Ele e seus homens percorreram os sete estados da região nordestina durante as décadas de 1920 e 30, levando sangue, morte e medo à população do sertão. Lampião e seu bando enfrentavam combates, sobressaltos e a agressividade da caatinga.
Nos seus estudos o professor Rodolfo concluiu que a migração nordestina acontecia principalmente por causa da seca. Entre eles existia o costume de plantar nas roças apenas o essencial. Suas casas eram construídas com simplicidade, pois se tivessem de abandoná-las não teriam prejuízos. Os homens costumam migrar para o corte de cana-de-açúcar porque pelas atividades exercidas não ganhavam dinheiro para sobreviverem durante o ano.
Milhares de nordestinos migram fugindo da miséria e pobreza da vida no sertão. Mas o governo e as elites poderosas ignoram este local e seus habitantes. Pois não fazem investimentos no sertão com o objetivo de proporcionar uma vida digna a seus moradores. Zumira e seus filhos eram analfabetos, eles sobreviviam porque vendiam bordados ao dono do mercado.
Passaram-se vinte dias, Rodolfo terminou seus estudos. Então convidou a namorada e seus filhos para irem embora junto com ele. Zumira recusou o pedido, pois o professor impressionou-se por ela. Mas em breve, ficaria cansado da sua companhia e a abandonaria. Por isto achou melhor ficar em sua terra natal. Chateado o professor retornou a sua casa.
Com o passar dos dias percebeu como sua família e amigos eram individualistas e materialistas. Agoniado lembrava-se da bondade e simplicidade de Zumira, Bonfim, Estelina e Severina. Essas crianças poderiam ter um futuro brilhante se fossem alfabetizados. De repente teve uma idéia, colocou sua casa a venda.
Depois de oito dias voltou à cidade Gororoba. Animado visitou a namorada. Ele contou que voltou para ficar. Pretendia fazer um poço artesiano e construir uma bela casa neste local. Pois futuramente contrataria uma professora para alfabetizar jovens e adultos. Fundaria uma pequena empresa, os funcionários fariam trabalhos de tecelagem e bordados. Zumira gostou desses projetos. As crianças o abraçaram, Rodolfo beijou sua namorada.  

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